Tarso de Melo ::: Las calles que nos llevan al engaño
- davisdiniz
- 20 de nov. de 2020
- 5 min de leitura
A flor de asfalto
(1)
vos nunca me dijiste el nombre
de las calles que nos llevan al engaño
nunca quisiste saber
de qué están hechas las horas
que dejo caer en la vereda
(vos, tal vez yo, tal vez nadie)
en la calle angosta encuentro
el olor del humo de mi abuelo
al que no vi nunca
y es como si pudiera decir
hogar y masticar en el pecho
las astillas de su tiempo
de su distancia
alguien que tal vez se parezca
a mi abuela a la que no vi nunca
me mira a través de la cortina de chorizos
velas tapones tiras de cuero
y parece llamarme
para una charla
a la que nunca presté atención
entonces entro despacio
y salgo llevándolos en la piel
a flor de piel, a flor de asfalto
en carne viva
(2)
baratija, baratija
así gastás la fortuna
de tus días
dejás en cada esquina
más de lo que llevás
¿ya notaste
que el olor de la tarde
se va con el sol
y que la noche
cuando apaga su apuro
enciende otro universo
en las narinas?
no hay carteles que indiquen
los grandes riesgos del día
vos andás sin saber que los ruidos
de los coches y los pregones y los afligidos
van a habitar para siempre
entre las ruinas de tu memoria
no sabés que tus muertos
están sentados en las sillas
que el viejo arregla
en medio de la vereda
que ellos usan los zapatos
despreciados para la compostura
(una pared entera de pasos perdidos
guardados para pies que nunca vendrán)
que ellos se protegen
entre las varillas del paraguas
cosido con paciencia
a los pies de la multitud
no ves que tus muertos huyen
con las sombras (como sombras)
por una calle con nombre de flor
perdida en el centro de la ciudad
no regás a tus muertos
(3)
el retrato de familia
tal vez
u otra colección de escombros
se va en el balde
acá había una casa
allá otra y otra y otra
había nombres dentro de las casas
había hombres dentro de los nombres
mujeres vivían bajo esas tejas
ventana adentro había amores
y guerras en los cobertores
y de la noche todas las manchas
había sombras y todavía hay
todavía oís al reloj gritar
todavía te asustás
con los mismos fantasmas
bajo las muchas capas de pintura
bajo las muchas capas de tiempo
los golpes de la maza revelan
que el mundo siempre estuvo ahí
justo abajo de tus pies
intacto esperando que despertaras
desnudo
sin nada que lo protegiera
paredes pisos cemento pintura
hierro asfalto tejas paños
caucho piel palabra
y vos lo despreciás
migrante
sin saber desde dónde
o hacia dónde
Aire libre
el ojo caza sin fuerza
bromelias acacias lapachos
florecen farmacias
a lo largo del camino
en los pliegues del jardín
siempre hay algún soldado
brotan gestos groseros
de todas las semillas
los tallos ya levantan
la flor de la desesperación
pájaro y acero riman
en la mañana entreabierta
las plantas consumen
lo que no queremos ver
y descansan en los surcos
de los que la mano desistió
: podo la fiebre del día
sin la esperanza de un fruto
Hoy
Mañana va a llover más fuerte,
todos nosotros ya lo sabemos.
Y resulta extraña la calma de los ríos.
Los paraguas siguen cerrados,
los meteorólogos fingen no tener que ver con eso,
el barro no muestra aprensión,
el viento lame la ropa seca en la soga,
todavía no se cerró ninguna ventana.
El agua va a venir, fuerte, como siempre,
engullendo toda la calma alrededor,
pero los agujeros no revelan
los tristes charcos del próximo día.
Las casas, las cosas, las vidas,
lo que va a sucumbir al mar inevitable
no da siquiera un suspiro,
no se despide de nosotros ni de nada.
Plantamos en suelo muerto
este olvido del futuro
– y a todo lo que brota lo llamamos
hoy.
Soplo
un mapa del país
un par de tijeras
la ventana abierta
cortar con precaución
estado por estado
respetando las fronteras
por última vez
tirar el país
en pedazos
para arriba
ahora – dejar
que sople – el viento
hasta reinventar
la antigua geografía
recoger el país
del suelo
empezar otra vez
Traducción Salvador Biedma

Tarso de Melo nació en Santo André (São Paulo) en 1976. Es poeta y ensayista, doctor en filosofía del derecho por la Universidade de São Paulo. Publicó los siguientes libros de poemas: A lapso (En lapos, Alpharrabio, 1999), Carbono (Carbono, Alpharrabio, Nankin, 2002), Planos de fuga e outros poemas (Planes de fuga y otros poemas, CosacNaify, 7Letras, 2005), Lugar algum (Ningún lugar, Alpharrabio, 2007, Bolsa Vitae de Artes), Exames de rotina (Análisis de rutina, Editora da Casa, 2008) y Caderno inquieto (Cuaderno inquieto, Dobra, 2012, Programa de Ação Cultural PROAC/SP), reunidos en el volumen Poemas 1999-2014 (Dobra, E-galáxia, 2015); Íntimo desabrigo (Íntimo desamparo, Alpharrabio, Dobradura, 2017), Dois mil e quatrocentos quilômetros, aqui (Dos mil cuatrocientos kilómetros, acá, con Carlos Augusto Lima, Luna Parque, 2018), Alguns rastros (Algunos rastros, Martelo, 2018) y Rastros (Rastros, Martelo, 2019). También organiza eventos literarios, da talleres de escritura y organiza obras colectivas y antologías.

___
À flor do asfalto
(1)
você nunca me disse o nome
das ruas que nos levam ao engano
você nunca quis saber
do que são feitas as horas
que deixo cair na calçada
(você, talvez eu, talvez ninguém)
na rua estreita encontro
o cheiro do fumo do meu vô
que nunca vi
e é como se pudesse dizer
lar e mascar no peito
as lascas de seu tempo
de sua distância
alguém que talvez pareça
com minha vó que nunca vi
me olha através da cortina de linguiças
velas buchas tiras de couro
e parece me chamar
para uma conversa
a que nunca dei ouvidos
então entro lento
e saio levando-os na pele
à flor da pele, à flor do asfalto
em carne viva
(2)
ninharia, ninharia
você gasta assim a fortuna
dos seus dias
deixa em cada esquina
mais do que leva
você já reparou
que o cheiro da tarde
vai embora com o sol
e que a noite
quando apaga sua pressa
acende outro universo
nas suas narinas?
não há placas que indiquem
os grandes riscos do dia
você anda e não sabe que os ruídos
dos carros e pregões e aflitos
vão morar para sempre
entre as ruínas da sua memória
você não sabe que seus mortos
estão sentados nas cadeiras
que o velho ajusta
no meio da calçada
que eles calçam os sapatos
desprezados no conserto
(uma parede inteira de passos perdidos
guardados para pés que nunca virão)
que eles se protegem
entre as hastes do guarda-chuva
costurado pacientemente
aos pés da multidão
você não vê que seus mortos fogem
com as sombras (como sombras)
numa rua com nome de flor
perdida no centro da cidade
você não rega seus mortos
(3)
o retrato de família
talvez
ou outra coleção de escombros
vai embora na caçamba
aqui ficava uma casa
ali outra e outra e outra
havia nomes dentro das casas
havia homens dentro dos nomes
mulheres moravam sob essas telhas
janela adentro havia amores
havia guerras nos cobertores
e as manchas todas da noite
havia sombras e ainda há
você ainda ouve o relógio gritar
você ainda se assusta
com os mesmos fantasmas
sob as muitas camadas de tinta
sob as muitas camadas de tempo
os golpes da marreta revelam
que o mundo sempre esteve ali
bem abaixo dos seus pés
intacto esperando que você acordasse
nu
sem nada que o proteja
paredes pisos cimento tinta
ferro asfalto telhas panos
borracha pele palavra
e você o despreza
migrante
sem saber de onde
ou pra onde
Ar livre
o olho caça sem força
bromélias acácias ipês
florescem farmácias
ao longo do caminho
nas dobras do jardim
há sempre algum soldado
brotam gestos brutos
de todas as sementes
os caules já hasteiam
a flor do desespero
pássaro e aço rimam
na manhã entreaberta
as plantas consomem
o que não queremos ver
e descansam nos sulcos
de que a mão desistiu
: aparo a febre do dia
sem esperança de fruto
Hoje
Amanhã vai chover mais forte,
todos nós já sabemos.
E é estranha a calma dos rios.
Os guarda-chuvas seguem fechados,
os meteorologistas fingem não ter nada com isso,
o barro não demonstra qualquer apreensão,
o vento lambe as roupas secas no varal,
nenhuma janela ainda se fechou.
A água vai vir, forte, como sempre,
engolindo todo o sossego ao redor,
mas os buracos não confessam
as tristes poças de amanhã.
As casas, as coisas, as vidas,
o que sucumbirá ao mar inevitável
não dá sequer um suspiro,
não se despede de nós, de nada.
Plantamos no solo morto
esse esquecimento do futuro
– e tudo o que brota chamamos
hoje.
Sopro
um mapa do país
uma tesoura
a janela aberta
cortar com cuidado
estado por estado
respeitando as fronteiras
pela última vez
jogar o país
em pedaços
para o alto
agora – deixar
soprar – o vento
até reinventar
a velha geografia
recolher o país
do chão
recomeçar
Tarso de Melo nasceu em Santo André/SP em 1976. Poeta e ensaísta, doutor em Filosofia do Direito pela Universidade de São Paulo. É autor dos seguintes livros de poemas: A lapso (Alpharrabio, 1999), Carbono (Alpharrabio, Nankin, 2002), Planos de fuga e outros poemas (CosacNaify, 7Letras, 2005), Lugar algum (Alpharrabio, 2007 – Bolsa Vitae de Artes), Exames de rotina (Editora da Casa, 2008) e Caderno inquieto (Dobra, 2012 – Programa de Ação Cultural PROAC/SP), reunidos no volume Poemas 1999-2014 (Dobra, E-galáxia, 2015); Íntimo desabrigo (Alpharrabio, Dobradura, 2017), Dois mil e quatrocentos quilômetros, aqui (com Carlos Augusto Lima; Luna Parque, 2018), Alguns rastros (Martelo, 2018) e Rastros (Martelo, 2019). É também curador de eventos literários, professor de oficinas de escrita e organizador de obras coletivas e antologias.







Kommentare