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Tarso de Melo ::: Las calles que nos llevan al engaño



A flor de asfalto



(1)


vos nunca me dijiste el nombre

de las calles que nos llevan al engaño

nunca quisiste saber

de qué están hechas las horas

que dejo caer en la vereda


(vos, tal vez yo, tal vez nadie)


en la calle angosta encuentro

el olor del humo de mi abuelo

al que no vi nunca

y es como si pudiera decir

hogar y masticar en el pecho

las astillas de su tiempo

de su distancia


alguien que tal vez se parezca

a mi abuela a la que no vi nunca

me mira a través de la cortina de chorizos

velas tapones tiras de cuero

y parece llamarme

para una charla

a la que nunca presté atención


entonces entro despacio

y salgo llevándolos en la piel

a flor de piel, a flor de asfalto

en carne viva


(2)


baratija, baratija

así gastás la fortuna

de tus días

dejás en cada esquina

más de lo que llevás


¿ya notaste

que el olor de la tarde

se va con el sol

y que la noche

cuando apaga su apuro

enciende otro universo

en las narinas?


no hay carteles que indiquen

los grandes riesgos del día

vos andás sin saber que los ruidos

de los coches y los pregones y los afligidos

van a habitar para siempre

entre las ruinas de tu memoria


no sabés que tus muertos

están sentados en las sillas

que el viejo arregla

en medio de la vereda


que ellos usan los zapatos

despreciados para la compostura

(una pared entera de pasos perdidos

guardados para pies que nunca vendrán)


que ellos se protegen

entre las varillas del paraguas

cosido con paciencia

a los pies de la multitud


no ves que tus muertos huyen

con las sombras (como sombras)

por una calle con nombre de flor

perdida en el centro de la ciudad


no regás a tus muertos


(3)


el retrato de familia

tal vez

u otra colección de escombros

se va en el balde

acá había una casa

allá otra y otra y otra

había nombres dentro de las casas

había hombres dentro de los nombres

mujeres vivían bajo esas tejas

ventana adentro había amores

y guerras en los cobertores

y de la noche todas las manchas

había sombras y todavía hay


todavía oís al reloj gritar

todavía te asustás

con los mismos fantasmas

bajo las muchas capas de pintura

bajo las muchas capas de tiempo


los golpes de la maza revelan

que el mundo siempre estuvo ahí

justo abajo de tus pies

intacto esperando que despertaras


desnudo

sin nada que lo protegiera

paredes pisos cemento pintura

hierro asfalto tejas paños

caucho piel palabra


y vos lo despreciás

migrante

sin saber desde dónde

o hacia dónde


Aire libre


el ojo caza sin fuerza

bromelias acacias lapachos


florecen farmacias

a lo largo del camino


en los pliegues del jardín

siempre hay algún soldado


brotan gestos groseros

de todas las semillas


los tallos ya levantan

la flor de la desesperación


pájaro y acero riman

en la mañana entreabierta


las plantas consumen

lo que no queremos ver


y descansan en los surcos

de los que la mano desistió


: podo la fiebre del día

sin la esperanza de un fruto




Hoy


Mañana va a llover más fuerte,

todos nosotros ya lo sabemos.

Y resulta extraña la calma de los ríos.


Los paraguas siguen cerrados,

los meteorólogos fingen no tener que ver con eso,

el barro no muestra aprensión,

el viento lame la ropa seca en la soga,

todavía no se cerró ninguna ventana.


El agua va a venir, fuerte, como siempre,

engullendo toda la calma alrededor,

pero los agujeros no revelan

los tristes charcos del próximo día.


Las casas, las cosas, las vidas,

lo que va a sucumbir al mar inevitable

no da siquiera un suspiro,

no se despide de nosotros ni de nada.


Plantamos en suelo muerto

este olvido del futuro

– y a todo lo que brota lo llamamos


hoy.




Soplo



un mapa del país

un par de tijeras

la ventana abierta


cortar con precaución

estado por estado

respetando las fronteras

por última vez


tirar el país

en pedazos

para arriba


ahora – dejar

que sople – el viento

hasta reinventar

la antigua geografía


recoger el país

del suelo


empezar otra vez




Traducción Salvador Biedma





Tarso de Melo nació en Santo André (São Paulo) en 1976. Es poeta y ensayista, doctor en filosofía del derecho por la Universidade de São Paulo. Publicó los siguientes libros de poemas: A lapso (En lapos, Alpharrabio, 1999), Carbono (Carbono, Alpharrabio, Nankin, 2002), Planos de fuga e outros poemas (Planes de fuga y otros poemas, CosacNaify, 7Letras, 2005), Lugar algum (Ningún lugar, Alpharrabio, 2007, Bolsa Vitae de Artes), Exames de rotina (Análisis de rutina, Editora da Casa, 2008) y Caderno inquieto (Cuaderno inquieto, Dobra, 2012, Programa de Ação Cultural PROAC/SP), reunidos en el volumen Poemas 1999-2014 (Dobra, E-galáxia, 2015); Íntimo desabrigo (Íntimo desamparo, Alpharrabio, Dobradura, 2017), Dois mil e quatrocentos quilômetros, aqui (Dos mil cuatrocientos kilómetros, acá, con Carlos Augusto Lima, Luna Parque, 2018), Alguns rastros (Algunos rastros, Martelo, 2018) y Rastros (Rastros, Martelo, 2019). También organiza eventos literarios, da talleres de escritura y organiza obras colectivas y antologías.






___




À flor do asfalto



(1)


você nunca me disse o nome

das ruas que nos levam ao engano

você nunca quis saber

do que são feitas as horas

que deixo cair na calçada


(você, talvez eu, talvez ninguém)


na rua estreita encontro

o cheiro do fumo do meu vô

que nunca vi

e é como se pudesse dizer

lar e mascar no peito

as lascas de seu tempo

de sua distância


alguém que talvez pareça

com minha vó que nunca vi

me olha através da cortina de linguiças

velas buchas tiras de couro

e parece me chamar

para uma conversa

a que nunca dei ouvidos


então entro lento

e saio levando-os na pele

à flor da pele, à flor do asfalto

em carne viva


(2)


ninharia, ninharia

você gasta assim a fortuna

dos seus dias

deixa em cada esquina

mais do que leva


você já reparou

que o cheiro da tarde

vai embora com o sol

e que a noite

quando apaga sua pressa

acende outro universo

nas suas narinas?


não há placas que indiquem

os grandes riscos do dia

você anda e não sabe que os ruídos

dos carros e pregões e aflitos

vão morar para sempre

entre as ruínas da sua memória


você não sabe que seus mortos

estão sentados nas cadeiras

que o velho ajusta

no meio da calçada


que eles calçam os sapatos

desprezados no conserto

(uma parede inteira de passos perdidos

guardados para pés que nunca virão)


que eles se protegem

entre as hastes do guarda-chuva

costurado pacientemente

aos pés da multidão


você não vê que seus mortos fogem

com as sombras (como sombras)

numa rua com nome de flor

perdida no centro da cidade


você não rega seus mortos


(3)


o retrato de família

talvez

ou outra coleção de escombros

vai embora na caçamba

aqui ficava uma casa

ali outra e outra e outra

havia nomes dentro das casas

havia homens dentro dos nomes

mulheres moravam sob essas telhas

janela adentro havia amores

havia guerras nos cobertores

e as manchas todas da noite

havia sombras e ainda há


você ainda ouve o relógio gritar

você ainda se assusta

com os mesmos fantasmas

sob as muitas camadas de tinta

sob as muitas camadas de tempo


os golpes da marreta revelam

que o mundo sempre esteve ali

bem abaixo dos seus pés

intacto esperando que você acordasse


nu

sem nada que o proteja

paredes pisos cimento tinta

ferro asfalto telhas panos

borracha pele palavra


e você o despreza

migrante

sem saber de onde

ou pra onde





Ar livre



o olho caça sem força

bromélias acácias ipês


florescem farmácias

ao longo do caminho


nas dobras do jardim

há sempre algum soldado


brotam gestos brutos

de todas as sementes


os caules já hasteiam

a flor do desespero


pássaro e aço rimam

na manhã entreaberta


as plantas consomem

o que não queremos ver


e descansam nos sulcos

de que a mão desistiu


: aparo a febre do dia

sem esperança de fruto






Hoje



Amanhã vai chover mais forte,

todos nós já sabemos.

E é estranha a calma dos rios.


Os guarda-chuvas seguem fechados,

os meteorologistas fingem não ter nada com isso,

o barro não demonstra qualquer apreensão,

o vento lambe as roupas secas no varal,

nenhuma janela ainda se fechou.


A água vai vir, forte, como sempre,

engolindo todo o sossego ao redor,

mas os buracos não confessam

as tristes poças de amanhã.


As casas, as coisas, as vidas,

o que sucumbirá ao mar inevitável

não dá sequer um suspiro,

não se despede de nós, de nada.


Plantamos no solo morto

esse esquecimento do futuro

– e tudo o que brota chamamos


hoje.





Sopro



um mapa do país

uma tesoura

a janela aberta


cortar com cuidado

estado por estado

respeitando as fronteiras

pela última vez


jogar o país

em pedaços

para o alto


agora – deixar

soprar – o vento

até reinventar

a velha geografia


recolher o país

do chão


recomeçar




Tarso de Melo nasceu em Santo André/SP em 1976. Poeta e ensaísta, doutor em Filosofia do Direito pela Universidade de São Paulo. É autor dos seguintes livros de poemas: A lapso (Alpharrabio, 1999), Carbono (Alpharrabio, Nankin, 2002), Planos de fuga e outros poemas (CosacNaify, 7Letras, 2005), Lugar algum (Alpharrabio, 2007 – Bolsa Vitae de Artes), Exames de rotina (Editora da Casa, 2008) e Caderno inquieto (Dobra, 2012 – Programa de Ação Cultural PROAC/SP), reunidos no volume Poemas 1999-2014 (Dobra, E-galáxia, 2015); Íntimo desabrigo (Alpharrabio, Dobradura, 2017), Dois mil e quatrocentos quilômetros, aqui (com Carlos Augusto Lima; Luna Parque, 2018), Alguns rastros (Martelo, 2018) e Rastros (Martelo, 2019). É também curador de eventos literários, professor de oficinas de escrita e organizador de obras coletivas e antologias.













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