Ana Martins Marques ::: No sé hacer poemas sobre gatos
- davisdiniz
- 13 de nov. de 2020
- 6 min de leitura
Reloj
¿De qué nos serviría
un reloj?
si lavamos la ropa blanca:
es de día
la ropa oscura:
es de noche
si partís con el cuchillo una naranja
en dos:
de día
si abrís con los dedos un higo
maduro:
de noche
si derramamos agua:
de día
si vertemos vino:
de noche
cuando oímos la alarma de la tostadora
o la tetera como un animalito
que trata de cantar:
de día
cuando abrimos ciertos libros lentos
y mantenemos su fuego encendido
a costa de alcohol, cigarrillos, silencio:
de noche
si endulzamos el té:
de día
si no lo endulzamos:
de noche
si barremos la casa o la enceramos:
de día
si le pasamos paños húmedos:
de noche
si tenemos jaquecas, eccemas, alergias:
de día
si tenemos fiebre, cólicos, inflamaciones:
de noche
aspirinas, rayos X, análisis de orina:
de día
vendas, compresas, ungüentos:
de noche
si caliento a baño maría la miel que se cristalizó
o uso limones para limpiar los vidrios:
de día
si después de comer manzanas
guardo por capricho el papel violeta oscuro:
de noche
si bato claras a nieve:
de día
si cocino grandes remolachas:
de noche
si escribimos con lápiz sobre hojas rayadas:
de día
si doblamos las hojas o las hacemos un bollo:
de noche
(extensiones y cimas:
de día
capas y pliegues:
de noche)
si te olvidás en el horno una torta
amarilla:
de día
si dejás el agua hirviendo
sola:
de noche
si por la ventana el mar está quieto
lerdo y grasoso
como un charco de aceite:
de día
si está rabioso
echando espuma
como un perro con hidrofobia:
de noche
si un pingüino va a Ipanema
y al echarse sobre la arena caliente siente hervir
su corazón helado:
de día
si una ballena encalla con la marea baja
y muere pesada, oscura,
como en una ópera, cantando:
de noche
si desabrochás lentamente
tu camisa blanca:
de día
si nos despedimos con ansias
armando en torno a nosotros un ardiente círculo de telas:
de noche
si un escarabajo verde y brillante golpea una y otra vez
contra el vidrio:
de día
si una abeja ronda la sala
desorientada por el sexo:
de noche
de qué nos serviría
un reloj
Traducción
Este poema
en otra lengua
sería otro poema
un reloj atrasado
que marca la hora correcta
de algún otro lugar
un chico que inventa
una lengua solamente para hablar
con otro chico
una casa de montaña
reconstruida sobre la playa
corroída poco a poco por la presencia del mar
lo importante es que
en determinado punto
los poemas queden equilibrados
como en ciertos problemas de física
de viejos manuales escolares
No sé hacer poemas sobre gatos
No sé gatografía.
Ana Cristina Cesar
No sé hacer poemas sobre gatos
si lo intento enseguida huyen
furtivas
las palabras
se sueltan o
saltan
no capturan del gato
ni siquiera la cola
sobre la mesa
aquietada y caliente
la hoja recién impresa
página en blanco con manchas negras:
acá está mi poema sobre gatos
Poema de verano
Estás bajo la luz
de ciertos poemas llenos de sol
tu mano hace sombra sobre la página
cubriendo algunas palabras
la palabra nena ahora está a la sombra
la palabra rectángulo
la palabra juguete
las otras palabras quedan flotando
en el poema como partículas de polvo
que brillan en la luz
te gustaría escribir poemas así
en los que se encontrase de pronto
el esqueleto blanco de un animalito
o en los que una joven pareja durmiese
dentro de una pick-up roja
o en los que al menos hubiese un zorro
sidra, sillas plegables
y en los que las cervezas se pusieran a enfriar
en un río
te gustaría escribir un poema
en el que pasaran tantas cosas
y las palabras vibraran un poco
en un acuerdo tácito
con las cosas vivas
en cambio escribís éste
Traducción de Salvador Biedma
____

Ana Martins Marques nació en Belo Horizonte en 1977. Estudió Letras y es doctora en literatura comparada por la Universidad Federal de Minas Gerais. Publicó los libros de poemas A vida submarina (La vida submarina, Scriptum, 2009), Da arte das armadilhas (Sobre el arte de las trampas, Companhia das Letras, 2011), O livro das semelhanças (El libro de las semejanzas, Companhia das Letras, 2015), Duas janelas (Dos ventanas, con Marcos Siscar, Luna Parque, 2016), Como se fosse a casa (Como si fuese la casa, con Eduardo Jorge, Relicário Edições, 2017) y O livro dos jardins (El libro de los jardines, Quelônio, 2019). Recibió diversos premios; entre ellos, el Prêmio Cidade de Belo Horizonte en 2007 y 2008, el Premio de Poesía de la Fundação Biblioteca Nacional en 2012, el tercer lugar en el Prêmio Oceanos en 2016 y el Prêmio Bravo! al mejor libro en 2018. Sus poemas se han traducido a varios idiomas. En 2019 El libro de las semejanzas fue publicado en España con traducción de Paula Abramo y también integra la antología Tejer & destejer: 7 poetas contemporáneas del Brasil, publicada en Argentina por Bajo la Luna con traducción de Agustina Roca.

____
Relógio
De que nos serviria
um relógio?
se lavamos as roupas brancas:
é dia
as roupas escuras:
é noite
se partes com a faca uma laranja
em duas:
dia
se abres com os dedos um figo
maduro:
noite
se derramamos água:
dia
se entornamos vinho:
noite
quando ouvimos o alarme da torradeira
ou a chaleira como um pequeno animal
que tentasse cantar:
dia
quando abrimos certos livros lentos
e os mantemos acesos
à custa de álcool, cigarros, silêncio:
noite
se adoçamos o chá:
dia
se não o adoçamos:
noite
se varremos a casa ou a enceramos:
dia
se nela passamos panos úmidos:
noite
se temos enxaquecas, eczemas, alergias:
dia
se temos febre, cólicas, inflamações:
noite
aspirinas, raio X, exame de urina:
dia
ataduras, compressas, unguentos:
noite
se esquento em banho-maria o mel que cristalizou
ou uso limões para limpar os vidros:
dia
se depois de comer maçãs
guardo por capricho o papel roxo-escuro:
noite
se bato claras em neve:
dia
se cozinho beterrabas grandes:
noite
se escrevemos a lápis em papel pautado:
dia
se dobramos as folhas ou as amassamos:
noite
(extensões e cimos:
dia
camadas e dobras:
noite)
se esqueces no forno um bolo
amarelo:
dia
se deixas a água fervendo
sozinha:
noite
se pela janela o mar está quieto
lerdo e engordurado
como uma poça de óleo:
dia
se está raivoso
espumando
como um cachorro hidrófobo:
noite
se um pinguim chega a Ipanema
e deitando-se na areia quente sente ferver
seu coração gelado:
dia
se uma baleia encalha na maré baixa
e morre pesada, escura,
como numa ópera, cantando:
noite
se desabotoas lentamente
tua camisa branca:
dia
se nos despimos com ânsia
criando em torno de nós um ardente círculo de panos:
noite
se um besouro verde brilhante bate repetidamente
contra o vidro:
dia
se uma abelha ronda a sala
desorientada pelo sexo:
noite
de que nos serviria
um relógio
Tradução
Este poema
em outra língua
seria outro poema
um relógio atrasado
que marca a hora certa
de algum outro lugar
uma criança que inventa
uma língua só para falar
com outra criança
uma casa de montanha
reconstruída sobre a praia
corroída pouco a pouco pela presença do mar
o importante é que
num determinado ponto
os poemas fiquem emparelhados
como em certos problemas de física
de velhos livros escolares
Não sei fazer poemas sobre gatos
Não sei gatografia.
Ana Cristina Cesar
Não sei fazer poemas sobre gatos
se tento logo fogem
furtivas
as palavras
soltam-se ou
saltam
não capturam do gato
nem a cauda
sobre a mesa
quieta e quente
a folha recém-impressa
página branca com manchas negras:
eis o meu poema sobre gatos
Poema de verão
Você está sob a luz
de certos poemas cheios de sol
sua mão faz sombra sobre a página
encobrindo algumas palavras
a palavra menina agora está à sombra
a palavra retângulo
a palavra brinquedo
as outras palavras ficam pairando
no poema como partículas de poeira
brilhando na luz
você gostaria de escrever poemas assim
em que se encontrasse de repente
o esqueleto alvo de um animal pequeno
ou em que um jovem casal dormisse
dentro de uma picape vermelha
ou ao menos em que houvesse uma raposa
vinho de maçã, cadeiras desdobráveis
e onde as cervejas fossem postas para esfriar
dentro de um rio
você gostaria de escrever um poema
em que acontecessem tantas coisas
e as palavras vibrassem um pouco
num acordo tácito
com as coisas vivas
em vez disso você escreve este
“Lugar para pensar” e “Trapézio” integram o livro A vida submarina (Scriptum, 2009). “Relógio” e “Falésia” integram o livro Da arte das armadilhas (Companhia das Letras, 2011). “Tradução”, “Não sei fazer poemas sobre gatos”, “Poema de verão”, “Podemos atear fogo à memória da casa” e “É bom lembrar poemas dos outros” integram O livro das semelhanças (Companhia das Letras, 2015). “O que nos aconteceu” integra o livro Duas janelas (com Marcos Siscar. Luna Parque, 2026).






____
Ana Martins Marques nasceu em Belo Horizonte em 1977. É formada em letras e doutora em literatura comparada pela UFMG. Publicou os livros de poemas A vida submarina (Scriptum, 2009), Da arte das armadilhas (Companhia das Letras, 2011), O livro das semelhanças (Companhia das Letras, 2015), Duas janelas (com Marcos Siscar, Luna Parque, 2016), Como se fosse a casa (com Eduardo Jorge, Relicário Edições, 2017) e O livro dos jardins (Quelônio, 2019). Recebeu diversos prêmios, entre os quais o Prêmio Cidade de Belo Horizonte de 2007 e 2008, o Prêmio de Poesia da Fundação Biblioteca Nacional de 2012, o terceiro lugar do Prêmio Oceanos de 2016 e o Prêmio Bravo! de melhor livro em 2018. Tem poemas traduzidos para várias línguas e, em 2019, El libro de las semejanzas foi lançado na Espanha em tradução de Paula Abramo. Integra a antologia Tejer & destejer: 7 poetas contemporáreas del Brasil, publicada na Argentina pela editora Bajo la Luna, com tradução de Agustina Roca.
留言