Maria Esther Maciel ::: La orquesta de la naturaleza
- davisdiniz
- 26 de nov. de 2020
- 5 min de leitura
Atualizado: 4 de dez. de 2020
Paisaje con frutas
Dos peras sobre la mesa
esperan tu hambre.
El día es verde
y el viento tiene colores provisorios.
Sobre el muro
un pájaro mudo
de mirada oscura
escruta tu sombra.
Él sabe
que nadie sabe
en qué azul
ocultás
tu absurdo.
Clase de dibujo
Estoy ahí donde me invento y me hago:
De tiza es mi trazo. De acero, el papel.
Esbozo una cara con regla y compás:
Es falsa. Deshago lo que hice.
Vuelvo a trazar el retrato. Evoco lo abstracto
Hago de la sombra mi raíz.
Harta de mí, me alejo
y constato: en el arte o en la vida,
en carne, hueso, lápiz o tiza
donde estoy no es siempre
y soy lo que soy por un tris.
Cosas de mi padre
un sombrero de paja sin contorno claro
botas de cuero crudo con hebillas sueltas
una radio a pilas conectada en la sala muy temprano
una camisa a rayas finas con dos bolsillos
una bicicleta con una sillita delantera
una canasta de mimbre llena de huevos y repollos
una camioneta con capota roja
una linterna encendida una tarde medio oscura
un alicate preso en un llavero
zapatos de suela firma para andar por el barro
una caja de herramientas en el estante
un mazo de cartas guardado en un estuche
una regadera verde abandonada en un cantero
una colmena bien cuidada junto a las flores
La orquesta de la naturaleza
El mundo no es lo que pensamos
Carlos Drummond de Andrade
Ciertos pájaros, insectos y mamíferos sólo
emiten sonidos durante las primeras horas del día
si hay una laguna de aguas tranquilas cerca.
Las hormigas cantan rozando las piernas contra el
abdomen, en tanto los grillos chillan
friccionando las alas a un ritmo insomne. +-+
Los delfines pueden emitir sonidos tan intensos y
firmes como las armas de grueso calibre.
El sonido del maíz que crece recuerda al ruido de
manos ásperas y secas como las manos que
se frotan sobre un globo de fiesta muy inflado.
Hay peces que, en su existencia discreta,
anuncian, por el rechinar de los dientes, su imprecisa
presencia.
Los gorilas se saludan con un ronquido
espeso y sin baches, como si se limpiasen la
garganta.
Los gritos de los pichones de buitre son tan terribles
y potentes que quedarían bien en una película de
suspenso.
Si las anémonas producen sonidos raros,
algunas larvas tienen rúbricas sonoras
imprevistas.
Los gemidos de un castor desconsolado son más
conmovedores que los de cualquier primate en estado
deplorable.
Los sapos se protegen croando a coro y
dejan confundidos a los coyotes, los búhos y los
zorros.
Muchos bichos se comunican por vías
clandestinas o casi inaudibles para algunos
oídos.
Bacterias y virus también integran el orden
sonoro del mundo vivo
.
Alcaucil
Los pétalos se llaman
capítulos
y se deshojan
como páginas
de un libro
con tallo y estrías
color verde claro
y pelusa lírica.
Se comen de él
cuando está cocida
la fina capa
(casi cáscara)
una por una
las láminas
que los dedos
llevan a la boca
para deleite
de la lengua.
Y al final del último
capítulo
ahí es que de pronto
surge
la inesperada
delicia:
un botón tierno y carnoso
– el corazón de la flor
que se vuelve
fruta viva.
Traducción Salvador Biedma
____

Maria Esther Maciel nació en Patos de Minas (Minas Gerais) en 1963. Vive en Belo Horizonte desde 1981. Además de escritora, es profesora de literatura y crítica literaria. Autora de diecisiete libros de diversos géneros, ha publicado en poesía Dos haveres do corpo (De los haberes del cuerpo, Terra, 1984), Triz (Tris, Orobó Edições, 1998 y 1999), O livro de Zenóbia (El libro de Zenóbia, Lamparina, 2004, semifinalista del Prêmio Portugal Telecom de Literatura) y O livro das sutilezas (El libro de las sutilezas, 2019). Un volumen reúne su obra poética de 1998 a 2019, con el título Longe, aqui: Poesia incompleta (Lejos, acá: Poesía incompleta, Quixote+Do/Tlön Edições, 2020). Colabora en Folha de S. Paulo y es directora editorial de la revista literaria Olympio.

paisagem com frutas
coisas de meu pai
____
Paisagem com frutas
Duas peras sobre a mesa
esperam a tua fome.
O dia é verde
e o vento tem cores provisórias.
Sobre o muro
um pássaro mudo
de olhar escuro
perscruta a tua sombra.
Ele sabe
que ninguém sabe
em que azul
ocultas
teu absurdo.
Aula de desenho
Estou lá onde me invento e me faço:
De giz é meu traço. De aço, o papel.
Esboço uma face a régua e compasso:
É falsa. Desfaço o que fiz.
Retraço o retrato. Evoco o abstrato
Faço da sombra minha raiz.
Farta de mim, afasto-me
e constato: na arte ou na vida,
em carne, osso, lápis ou giz
onde estou não é sempre
e o que sou é por um triz.
Coisas de meu pai
um chapéu de palha sem contorno certo
botinas de couro cru com fivelas soltas
um rádio a pilhas ligado na sala muito cedo
uma camisa de listras finas com dois bolsos
uma bicicleta com cadeirinha dianteira
um balaio de vime cheio de ovos e couves
uma caminhonete com capota vermelha
uma lanterna acesa numa tarde meio fosca
um cortador de unhas preso num chaveiro
sapatos de sola firme para pisar no lodo
uma caixa de ferramentas na prateleira
um maço de cartas guardado num estojo
um regador verde deixado num canteiro
uma colmeia bem cuidada junto às flores
A orquestra da natureza
O mundo não é o que pensamos
Carlos Drummond de Andrade
Certos pássaros, insetos e mamíferos só
vocalizam nas primeiras horas do dia se há por
perto uma lagoa de águas tranquilas.
As formigas cantam roçando as pernas contra o
abdômen, enquanto os grilos cricrilam
friccionando as asas em ritmo insone. +-+
Os golfinhos podem emitir sons tão intensos e
firmes quanto as armas de grosso calibre.
O som do milho crescendo lembra o ruído de
mãos rudes e secas se esfregando na borracha de
um balão de festa muito cheio.
Há peixes que, discretos em sua existência,
anunciam, pelo ranger dos dentes, a sua imprecisa
presença.
Os gorilas se cumprimentam com um ronco
espesso e sem solavancos, como se limpassem a
garganta.
Os gritos dos filhotes de abutre são tão terríveis
e potentes que ficariam bem em um filme de
suspense.
Se as anêmonas produzem sons esquisitos,
algumas larvas têm assinaturas sonoras
imprevistas.
Os gemidos de um castor desconsolado são mais
pungentes que os de qualquer primata em estado
deplorável.
Os sapos se protegem coaxando em coro e
deixam confusos os coiotes, as corujas e as
raposas.
Muitos bichos se comunicam por vias
clandestinas ou quase inaudíveis para alguns
ouvidos.
Bactérias e vírus também integram a ordem
sonora do mundo vivo.
Alcachofra
As pétalas se chamam
capítulos
e se despetalam
como páginas
de um livro
com caule e estrias
em verde-claro
e penugem lírica.
Come-se dela
quando cozida
a fina camada
(quase raspa)
de uma por uma
das lâminas
que os dedos
levam à boca
para o deleite
da língua.
E ao fim do último
capítulo
eis que de repente
surge
a inesperada
delícia:
um botão tenro e carnudo
– o coração da flor
que vira
fruta viva.
aula de desenho
alcachofra
a orquestra da natureza
Maria Esther Maciel nasceu em Patos de Minas, em 1963. Vive em Belo Horizonte desde 1981. Além de escritora, é professora de literatura e crítica literária. Autora de 17 livros em diferentes gêneros, publicou os seguintes livros de poesia: Dos haveres do corpo (editora Terra, 1984), Triz (Orobó Edições, 1998 e 1999), O livro de Zenóbia (editora Lamparina, 2004, semifinalista do Prêmio Portugal Telecom de Literatura) e O livro das sutilezas (2019). Sua obra poética de 1998 a 2019 foi reunida no livro Longe, aqui. Poesia incompleta (Quixote+Do / Tlön Edições, 2020). É colaboradora da Folha de S.Paulo e diretora editorial da revista literária Olympio.






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