top of page

Maria Esther Maciel ::: La orquesta de la naturaleza




Paisaje con frutas


Dos peras sobre la mesa

esperan tu hambre.

El día es verde

y el viento tiene colores provisorios.


Sobre el muro

un pájaro mudo

de mirada oscura

escruta tu sombra.


Él sabe

que nadie sabe

en qué azul

ocultás

tu absurdo.





Clase de dibujo


Estoy ahí donde me invento y me hago:

De tiza es mi trazo. De acero, el papel.

Esbozo una cara con regla y compás:

Es falsa. Deshago lo que hice.

Vuelvo a trazar el retrato. Evoco lo abstracto

Hago de la sombra mi raíz.

Harta de mí, me alejo

y constato: en el arte o en la vida,

en carne, hueso, lápiz o tiza

donde estoy no es siempre

y soy lo que soy por un tris.




Cosas de mi padre


un sombrero de paja sin contorno claro

botas de cuero crudo con hebillas sueltas


una radio a pilas conectada en la sala muy temprano

una camisa a rayas finas con dos bolsillos


una bicicleta con una sillita delantera

una canasta de mimbre llena de huevos y repollos


una camioneta con capota roja

una linterna encendida una tarde medio oscura


un alicate preso en un llavero

zapatos de suela firma para andar por el barro


una caja de herramientas en el estante

un mazo de cartas guardado en un estuche


una regadera verde abandonada en un cantero

una colmena bien cuidada junto a las flores





La orquesta de la naturaleza


El mundo no es lo que pensamos

Carlos Drummond de Andrade


Ciertos pájaros, insectos y mamíferos sólo

emiten sonidos durante las primeras horas del día

si hay una laguna de aguas tranquilas cerca.



Las hormigas cantan rozando las piernas contra el

abdomen, en tanto los grillos chillan

friccionando las alas a un ritmo insomne. +-+



Los delfines pueden emitir sonidos tan intensos y

firmes como las armas de grueso calibre.



El sonido del maíz que crece recuerda al ruido de

manos ásperas y secas como las manos que

se frotan sobre un globo de fiesta muy inflado.



Hay peces que, en su existencia discreta,

anuncian, por el rechinar de los dientes, su imprecisa

presencia.



Los gorilas se saludan con un ronquido

espeso y sin baches, como si se limpiasen la

garganta.



Los gritos de los pichones de buitre son tan terribles

y potentes que quedarían bien en una película de

suspenso.



Si las anémonas producen sonidos raros,

algunas larvas tienen rúbricas sonoras

imprevistas.



Los gemidos de un castor desconsolado son más

conmovedores que los de cualquier primate en estado

deplorable.



Los sapos se protegen croando a coro y

dejan confundidos a los coyotes, los búhos y los

zorros.



Muchos bichos se comunican por vías

clandestinas o casi inaudibles para algunos

oídos.



Bacterias y virus también integran el orden

sonoro del mundo vivo

.





Alcaucil


Los pétalos se llaman

capítulos

y se deshojan

como páginas

de un libro

con tallo y estrías

color verde claro

y pelusa lírica.

Se comen de él

cuando está cocida

la fina capa

(casi cáscara)

una por una

las láminas

que los dedos

llevan a la boca

para deleite

de la lengua.


Y al final del último

capítulo

ahí es que de pronto

surge

la inesperada

delicia:

un botón tierno y carnoso

– el corazón de la flor

que se vuelve

fruta viva.





Traducción Salvador Biedma

____







Maria Esther Maciel nació en Patos de Minas (Minas Gerais) en 1963. Vive en Belo Horizonte desde 1981. Además de escritora, es profesora de literatura y crítica literaria. Autora de diecisiete libros de diversos géneros, ha publicado en poesía Dos haveres do corpo (De los haberes del cuerpo, Terra, 1984), Triz (Tris, Orobó Edições, 1998 y 1999), O livro de Zenóbia (El libro de Zenóbia, Lamparina, 2004, semifinalista del Prêmio Portugal Telecom de Literatura) y O livro das sutilezas (El libro de las sutilezas, 2019). Un volumen reúne su obra poética de 1998 a 2019, con el título Longe, aqui: Poesia incompleta (Lejos, acá: Poesía incompleta, Quixote+Do/Tlön Edições, 2020). Colabora en Folha de S. Paulo y es directora editorial de la revista literaria Olympio.



paisagem com frutas


coisas de meu pai


____



Paisagem com frutas

Duas peras sobre a mesa

esperam a tua fome.

O dia é verde

e o vento tem cores provisórias.


Sobre o muro

um pássaro mudo

de olhar escuro

perscruta a tua sombra.


Ele sabe

que ninguém sabe

em que azul

ocultas

teu absurdo.






Aula de desenho


Estou lá onde me invento e me faço:

De giz é meu traço. De aço, o papel.

Esboço uma face a régua e compasso:

É falsa. Desfaço o que fiz.

Retraço o retrato. Evoco o abstrato

Faço da sombra minha raiz.

Farta de mim, afasto-me

e constato: na arte ou na vida,

em carne, osso, lápis ou giz

onde estou não é sempre

e o que sou é por um triz.






Coisas de meu pai




um chapéu de palha sem contorno certo

botinas de couro cru com fivelas soltas


um rádio a pilhas ligado na sala muito cedo

uma camisa de listras finas com dois bolsos


uma bicicleta com cadeirinha dianteira

um balaio de vime cheio de ovos e couves


uma caminhonete com capota vermelha

uma lanterna acesa numa tarde meio fosca


um cortador de unhas preso num chaveiro

sapatos de sola firme para pisar no lodo


uma caixa de ferramentas na prateleira

um maço de cartas guardado num estojo


um regador verde deixado num canteiro

uma colmeia bem cuidada junto às flores








A orquestra da natureza



O mundo não é o que pensamos

Carlos Drummond de Andrade





Certos pássaros, insetos e mamíferos só

vocalizam nas primeiras horas do dia se há por

perto uma lagoa de águas tranquilas.



As formigas cantam roçando as pernas contra o

abdômen, enquanto os grilos cricrilam

friccionando as asas em ritmo insone. +-+



Os golfinhos podem emitir sons tão intensos e

firmes quanto as armas de grosso calibre.



O som do milho crescendo lembra o ruído de

mãos rudes e secas se esfregando na borracha de

um balão de festa muito cheio.



Há peixes que, discretos em sua existência,

anunciam, pelo ranger dos dentes, a sua imprecisa

presença.



Os gorilas se cumprimentam com um ronco

espesso e sem solavancos, como se limpassem a

garganta.



Os gritos dos filhotes de abutre são tão terríveis

e potentes que ficariam bem em um filme de

suspense.



Se as anêmonas produzem sons esquisitos,

algumas larvas têm assinaturas sonoras

imprevistas.



Os gemidos de um castor desconsolado são mais

pungentes que os de qualquer primata em estado

deplorável.



Os sapos se protegem coaxando em coro e

deixam confusos os coiotes, as corujas e as

raposas.



Muitos bichos se comunicam por vias

clandestinas ou quase inaudíveis para alguns

ouvidos.



Bactérias e vírus também integram a ordem

sonora do mundo vivo.






Alcachofra




As pétalas se chamam

capítulos

e se despetalam

como páginas

de um livro

com caule e estrias

em verde-claro

e penugem lírica.

Come-se dela

quando cozida

a fina camada

(quase raspa)

de uma por uma

das lâminas

que os dedos

levam à boca

para o deleite

da língua.


E ao fim do último

capítulo

eis que de repente

surge

a inesperada

delícia:

um botão tenro e carnudo

– o coração da flor

que vira

fruta viva.



aula de desenho



alcachofra


a orquestra da natureza



Maria Esther Maciel nasceu em Patos de Minas, em 1963. Vive em Belo Horizonte desde 1981. Além de escritora, é professora de literatura e crítica literária. Autora de 17 livros em diferentes gêneros, publicou os seguintes livros de poesia: Dos haveres do corpo (editora Terra, 1984), Triz (Orobó Edições, 1998 e 1999), O livro de Zenóbia (editora Lamparina, 2004, semifinalista do Prêmio Portugal Telecom de Literatura) e O livro das sutilezas (2019). Sua obra poética de 1998 a 2019 foi reunida no livro Longe, aqui. Poesia incompleta (Quixote+Do / Tlön Edições, 2020). É colaboradora da Folha de S.Paulo e diretora editorial da revista literária Olympio.














bottom of page