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Liliana Ancalao ::: Batalhado pela memória

  • Foto do escritor: davisdiniz
    davisdiniz
  • 27 de out. de 2020
  • 7 min de leitura

Atualizado: 6 de nov. de 2020




A tarde de sábado para lavar a roupa *


A tarde de sábado para lavar a roupa

pediam os

peões

que assim agora são chamados os empobrecidos

williches pikunches ahoniken shelknam

yagan kaweskar e kamollfunche

Quarenta anos depois

por um tempo pediam ser wentru

apesar dos alambrados

Não lhes disseram não, ao seu pedido

sempre foram afáveis

tampouco sim:

nas janelas de brisa no galpão fechado

um suspiro limpo que ventile o peito

e leve consigo o cheiro dos currais

e desparrame

como a água ensaboada

no sábado de tarde pelo terreiro da fazenda

Um respiro de ar sem

patrões

que assim agora são chamados

os muito enriquecidos

não lhes disseram não, os muito prolixos

fizeram vir os milicos

E não lhes deram:

tempo para lavar a cara e o cabelo

que a água corra até seus pés

no sábado de tarde

para lavar suas cuecas a camisa

a morrinha das mangas o ranço do pescoço

os suores das costas

Deixar o ciclo da lã por um tempo

que a parição

que corta os baguinhos das crias

e a marcação do patrão nas orelhas

que a pelagem do olho que se tosa

que os fardos de lã amontoados até o teto

Não tiveram:

os bancos que pediam

para sentar e descansar o corpo

armar o círculo da conversa

e o silêncio

e que a postos nessa distância

farpada

na imensidão do latifúndio

o homem não esteja só condenado a estar ímpar

Pediam isso em troca de voltar

a produzir os lucros patronais

E eles os atacaram como há quarenta anos faziam

com seus parentes lá pelos lados do chubut

no curral de sacamata

como animais

os milicos obedientes dos muito enriquecidos

Não lhes disseram não, tampouco sim:

o sábado pela tarde

para voltar a ser wentru por um tempo

para lavar

bancos

velas

ar

não estar sozinhos nos postos

mais que isso não pediam

Balas

lhes deram os milicos obedientes

primeiro os puseram paradinhos

e em fila como postes de cerca

Nos peões que tinham se atrevido

miraram bem aí

na memória

e foram caindo

as camisas com sangue

que sabão nenhum esfregará no sábado de

tarde

e a dor volta a pingar

merda

volta.




Lua que te vais

o que é daquela mulher

de quem enxugavas o cabelo

quando chegavas pontual

como uma escrava

lua da avidez

que é

daquela mulher do entreviero

e de olhos endurecidos pela espera

em vinho tinto sua luz

arremolhada

e dessa mulher

espessura de leite

rios de si abertos às crias

seu suco de laranja pegajoso

lua em retiro

tua luz agora

apenas um contorno

no lombo dos cavalos que dormem em Fitatimen

que é de mim

na hora de desenterrar meu umbigo

maré baixa

descobrindo meus pés

entre álamos

lua

que te vais mansinho

deixando-me

endividada

Búfalo na água


eu queria ser uma dos búfalos

nas pradarias do grande rio Platte escapando em estampido

que me caçassem os guerreiros pawnee

cair

para escutar uma só vez

seu canto de perto

e seu respeito

morrer na neve

extensa

alimentar seus pequenos

acobertá-los

mas só no verão

sozinha

molho minhas patas no arroio Leleke

a água corre inteira entre as pedras,

com seu murmúrio abaúla meus tornozelos

quero permanecer aqui

procurar o fundo

afogar entre borbulhas este cabelo oleoso

que a água gelada penetre as raízes

e as aligeire

meus cascos

se afundam serenos nesta ribeira

arranco pasto

rumino

avisto longe

quem terá deixado esses sapatos

e essa roupa

como que esperando

junto ao alambrado

___




* O poema "La tarde del sábado para lavar la ropa" de Liliana Ancalao – que não está no video que a autora nos enviou meses atrás – foi originalmente lido num evento online acontecido no último sábado, 24 de outubro de 2020, dentro das atividades para o “Mes de la Diversidad Cultural”. Membros anônimos de uma milicia fascista (ainda não identificada) invadiram a sala da plataforma ZOOM com o propósito de insultar criminosamente a autora durante sua participação, proferindo por meio de vozes distorcidas e também de textos inseridos no bate-papo da plataforma uma série de ataques racistas e misóginos contra a autora. Diante de tais ataques, Ancalao manifestou-se da seguinte maneira em sua página no Facebook:

¿Acallar al mapuzungun, el idioma de la tierra? no creo. ¿Silenciar a la poesía? tampoco. Tal vez, y por un rato, mi pequeña voz.

Ayer, se me quedó este poema sin leer. Si pueden leerlo en voz alta, pongan: logrado, por la memoria.

La tarde del sábado para lavar la ropa

Entre los peones, que cayeron fusilados en las huelgas rurales de 1920 y 1921, seguramente había hombres de los pueblos originarios que cuarenta años antes habían recorrido libres los territorios del sur


Portanto, acrescentamos “La tarde del sábado para lavar la ropa” aos dois outros poemas lidos no video que Liliana Anclao gravou e enviou para estas sessões da ANTEN [A] RGENTA previamente ao episódio aqui relatado – e com tal acréscimo textual queremos prestar nossa empatia e solidariedade com a poesia e a luta de Anclao, cumprimentando-a pela força e urgência de sua militância ao lado da causa mapuche e de outros povos originários da Patagônia. #logradoporlamemoria



__


Liliana Ancalao nasceu em Comodoro Rivadavia em 1961. Suas origens em Puel Mapu Wall Mapu remontam ao tempo em que seus tataravós cruzavam a Cordilheira dos Andes como se fosse uma ponte, sem os limites impostos pelos estados da Argentina e do Chile. Pertence a comunidade mapuche Ñamkulawen e é aprendiz de seu idioma materno mapuzungun.


É Professora de Letras pela Universidade Nacional da Patagônia SJB. Aposentou-se na docência do ensino médio. Coordenou um ciclo chamado Arte Popular nos Bairros. É parte de um grupo de pesquisa universitária e integra os coletivos culturais Peces del Desierto e Trovadores Patagónicos. Como parte da comunidade Ñamkulawen, promove atividades de fortalecimento cultural e experiências de educação mapuche.


Publicou Tejido con lana cruda (2001), Mujeres a la intemperie-pu zomo wekuntu mew (2009), ambos poemários reeditados na Argentina 2010 por El Suri Porfiado, e l livro de ensaios e poesia Resuello-neyen (2018), publicado na Espanha por Marisma.


Seu terceiro livro de poesia é Rokiñ, provisiones para el viaje (2020), publicado na Argentina por Espacio Hudson.


Sua obra foi publicada em inúmeras antologias literárias dos povos originários, de escritores regionais e de escritores argentinos. Foi traduzida ao inglês e ao francês.


___

La tarde del sábado para lavar la ropa


La tarde del sábado para lavar la ropa

pedían los

peones

que ahora le llamaban así a los empobrecidos

williches pikunches ahoniken shelknam

yagan kaweskar y kamollfunche

Cuarenta años después

un rato de ser wentru pedían

aunque los alambrados

No les dijeron no, a su pedido

siempre fueron afables

tampoco sí:

a las ventanas de brisa en el galpón cerrado

un suspiro limpio que ventile el pecho

y se lleve el olor de los corrales

lo desparrame

como el agua enjabonada

el sábado a la tarde en el patio de la estancia

Un respiro de aire sin

patrones

que ahora debían llamarle así

a los muy enriquecidos

no les dijeron no, los muy prolijos

hicieron venir a los milicos

Y no les dieron:

tiempo para lavar su cara y su cabello

que el agua corra hasta sus pies

el sábado a la tarde

para lavar sus calzoncillos la camisa

la roña de los puños la mugre del cuello

los sudores de la espalda

Salir del ciclo de la lana por un rato

que la parición

que cortarle los huevitos a la cría

y la señal del patrón en las orejas

que la pelada del ojo que la esquila

que los fardos de lana trepándose hasta el techo

No tuvieron:

los bancos que pedían

para sentarse descansar el cuerpo

armar el círculo de la conversa

y el silencio

y que en los puestos esa distancia

alambrada

en la inmensidad del latifundio

el hombre no esté solo condenado a estar impar

Eso pedían a cambio de volver

a producirles las ganancias

Y los atacaron como hacía cuarenta años

a sus parientes allá por el chubut

en el corral de sacamata

como a animales

los milicos obedientes de los muy enriquecidos

No les dijeron no, tampoco sí:

al sábado a la tarde

para volver a ser wentru por un rato

para lavarse

bancos

velas

aire

no estar solos en los puestos

no más pedían

Balas

les dieron los milicos obedientes

primero los pusieron paraditos

y en fila como postes de alambre

A los peones que se habían atrevido

les apuntaron ahí

a la memoria

y fueron cayendo

las camisas con sangre

que ningún jabón refregará el sábado a la

tarde

y vuelve a gotear el dolor

mierda

vuelve.


Luna que te vas


y qué de aquella mujer

a la que enjuagabas el cabello

cuando llegabas puntual

como una esclava

luna de la avidez

qué

de aquella mujer del entreviero

y los ojos endurecidos de la espera

en vino tinto su luz

arremojada

y de esa mujer

grosor de leche

ríos de sí abiertos a las crías

su jugo de naranja pegoteado

luna en retiro

ahora tu luz

apenas un contorno

en el lomo

de los caballos que duermen en Fitatimen

y qué de mí

a la hora de desenterrar mi ombligo

marea baja

descubriendo mis pies

entre los álamos

luna

que te vas quedito

dejándome

endeudada



Búfalo en el agua


yo quería ser una de los búfalos

en las praderas del gran río Platte escapando en estampida

que me cazaran los guerreros pawnee

caer

para escuchar una sola vez

su canto de cerca

y su respeto

morir en la nieve

extensa

alimentar a sus pequeños

abrigarlos

pero sólo en el verano

sola

remojo mis patas en el arroyo Leleke

el agua corre entera entre las piedras,

con su murmullo redondea mis tobillos

quiero quedarme aquí

buscar el hondo

hundir entre burbujas este pelo grasiento

que el agua helada penetre las raíces

las aligere

mis pezuñas

se hunden suave en esta orilla

arranco hierba

la rumio

miro lejos

quién habrá dejado esos zapatos

y esa ropa

como esperando

junto al alambrado.

___

Liliana Ancalao nació en Comodoro Rivadavia en 1961. Sus orígenes en Puel Mapu Wall Mapu se remontan al tiempo en que sus tatarabuelos cruzaban la cordillera como si fuera un puente, sin los límites impuestos por los estados de Argentina y Chile. Pertenece a la comunidad mapuche Ñamkulawen y es aprendiz de su idioma materno mapuzungun.


Es Profesora en Letras por la Universidad Nacional de la Patagonia SJB. Se jubiló en la docencia secundaria. Coordinó un ciclo de Arte Popular en los Barrios. Es parte de un grupo de investigación universitario e integra los colectivos culturales Peces del Desierto y Trovadores Patagónicos. Como parte de la comunidad Ñamkulawen, promueve actividades de fortalecimiento cultural y experiencias de educación mapuche.


Publicó Tejido con lana cruda (2001), Mujeres a la intemperie-pu zomo wekuntu mew (2009), ambos poemarios reeditados en 2010 por El Suri Porfiado en Argentina, y Resuello-neyen (2018), libro de ensayos y poesía editado por Marisma en España.


Su tercer libro de poesía es Rokiñ, provisiones para el viaje (2020), editado por Espacio Hudson en Argentina.


Su obra ha sido incluida en numerosas antologías literarias de pueblos originarios, de escritores de la región y de escritores argentinos. Ha sido traducida al inglés y al francés.









 
 
 

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